“22 de Abril: Um Dia Para Lembrar Quem Somos” por Daniela Migliari
Daniela Migliari é jornalista e escritora, nascida em Brasília, encontrou no ofício de escrever uma forma amorosa de entrar em contato consigo mesma, com toda a riqueza e complexidade que encerra a experiência humana. Desde 2016, estuda as Constelações Familiares como pós-graduanda da Hellingerschule.
Convidamo-la a partilhar um texto sobre o Dia da Terra ( 22 de Abril) , pelo que ela generosamente nos deixa este contributo:
“No dia 22 de abril, é celebrado o Dia da Terra. Ao falar deste planeta azul, cujos continentes encontram-se entre a imensidão de suas águas, recorro à imagem dos oceanos para ampliar algumas compreensões:
Os peixes não compreendem a água em que estão mergulhados: simplesmente fluem por ela, e existem em função de tudo que ela lhes provê e proporciona. Assim como eles, nós, homo sapiens, também habitamos esta Terra com limitada consciência do que isso representa para a própria existência.
Esta percepção parece repetir, num ciclo mais amplo, o caminho que uma célula recém-fecundada percorre até perceber-se como um ser humano adulto, feito e refletido acerca do que significa ter nascido dos seus pais e estar vivo. Faz parte da condição humana lidar, aos poucos, com aquilo que é e ainda não foi visto: a amplitude da realidade!
A noção de que os seres humanos estão separados da Natureza, polarizados uns dos outros, parece ignorar que a Terra é redonda, gira e que cada ser vivente – literal e concretamente – caminha por terrenos onde toda e qualquer vida que já existiu está depositada em camadas e camadas de pó, de matéria orgânica, que a todos sustenta e provê com alimentos.
Já parou pra pensar que nós estamos em pé, sustentados sobre os nossos antepassados?
Que andamos sobre eles e sobre toda a Vida que permeou suas existências?
Sejam estas vidas provenientes do reino hominal, animal, vegetal ou mineral?
Já nos demos conta de que tudo que comemos diariamente provém deste mesmo terreno em constante transformação?
Nos percebemos e nos distinguimos na relação
Qual é o referencial que, na prática e no dia a dia, auxilia a ampliar a visão e ter um tanto mais de consciência sobre quem somos e sobre o Todo? É o campo das relações!
Quando olho para o outro me percebo como alguém distinto dele. É na relação que nos descobrimos mutuamente, como seres vivos, em atividades diversas e em trocas constantes. Em comum, somos todos filhos desta mesma Terra e estamos naturalmente submetidos às Suas leis – princípios da Vida vivenciados em Suas diferentes expressões.
Assim como a gravidade, o magnetismo e a eletricidade têm suas manifestações peculiares, cujos efeitos são observados por pessoas atentas àquilo que se mostra, o mesmo se dá no campo das relações. Seus efeitos foram e são observados e decodificados para a humanidade por meio da atuação de Suas leis. É na referência do diferente que percebemos quem somos com mais clareza. E o que vemos ao olhar de forma mais ampla para nós mesmos e para outros seres?
Vemos que também somos Natureza, frutos deste orbe cuja idade de 4,5 bilhões de anos é curiosamente calculada, também, em função de algo visto em… relação!
A datação de Sua existência é feita por meio dos átomos de urânio encontrados em fragmentos de meteoritos vindos de outras partes do Universo. Segundo cientistas, isso acontece pois é muito difícil realizar este cálculo pelas rochas exclusivamente terráqueas, posto que estão em constante transformação e isso dificulta o estabelecimento de referências comparativas dos elementos que auxiliam a colocar o tempo em perspectiva.
Portanto, quando Bert Hellinger afirma: “Não somos filhos dos nossos pais; nós somos os nossos pais” ele seguramente nos levou para o lugar mais próximo possível que nos leva a compreender que não somos simplesmente terráqueos: somos a Terra em Si mesma e em constante transformação.
Somos frutos da diversidade deste imenso Ser Vivo, Se experimentando ao longo da Sua história, em ciclos naturais e contínuos na imensidão deste planeta que, a cada medição de urânio (e já houve muitas) se descobre mais e mais antigo.
Um dia para lembrar, também, o Brasil em mim
O dia 22 de abril também é uma data que convida a olhar para a origem do Brasil, esta nação filha do encontro de dois sistemas: europeus e povos indígenas. Foi neste dia, no ano de 1500, que exploradores portugueses descobriram e **também foram descobertos** por nativos indígenas que viviam neste conjunto de terras, posteriormente denominado Brasil.
Encontrar a essencialidade que une ambos – filhos do mesmo planeta; compostos da mesma constituição humana em sangue, ossos, músculos e órgãos; nascidos igualmente de uma mãe e um pai; com suas vidas expressas pelo bombeamento no tum-tum de tão semelhante coração… é encontrar a conexão que é, sempre esteve lá e une a todos: a humanidade em nós!
Ao olhar para tudo como foi, temos a oportunidade de nos conectar com o Essencial. Para compreender isso melhor, recorro ao que acontece no encontro de um casal, por exemplo. Dois sistemas passam a interagir e ambos se enriquecem no complemento daquilo que é diferente. Para além da paixão à primeira vista, é na abertura para o novo que ambos vão além do que foram até aquele encontro.
A união entre dois seres diferentes gera histórias complexas, que envolvem muito amor e muita dor de amor. Os filhos deste encontro passam boa parte da vida “des-cobrindo” as riquezas que os habitam: incluem excluídos, reordenam hierarquias invertidas, equilibram trocas provenientes desses dois sistemas. Trata-se de um caminho individual e único para cada ser… Um ponto, porém, é consenso na visão sistêmica da Vida:
Julgar, condenar e excluir um sistema em detrimento do outro gera dor, desequilíbrio e incompletude. Filhos precisam de ambos e se apropriam desta inteireza em si mesmo a cada passo que dão no caminho. Como alguém que desembrulha um presente aos poucos, a cada camada, se dá conta do quão belo é. Até perceber-se assim, grato e a cada dia mais inteiro, o ser humano vive em movimentos de compensação da união destes dois sistemas: nesta busca, cria uma oposição, então algo novo surge e se expande dali…
Uma nova aventura se inicia
Enriquecido de ambos os sistemas, chega o tempo em que o filho percebe que já é hora de dar-se conta de que cresceu; que não lhe cabe ser o juiz dos pais e suas histórias; que graças a esta união tem a vida que tem; que se envolver e olhar por mais tempo para a dor dos pais o impede de viver a vida que recebeu; que alguns assuntos são grandes e pesados demais para ele – o pequeno diante desta relação; que ao se retirar do meio dela, ele pode crescer e ter a certeza de que já não cabe mais na “cama dos pais” – e que permanecer ali está fora de lugar.
Cada filho, a seu tempo, é convidado – pela vida e por si mesmo – a despedir-se da cama dos pais, a ocupar o seu próprio lugar e seguir adiante com todos no coração…
Que cada ser, a seu tempo, possa amar a sua própria existência e ir além do amor à primeira vista: ampliando seu olhar para as belezas e mistérios da segunda, terceira, quarta, quinta, N vistas…
Que a cada ampliação de olhar, possamos ver a beleza do que somos: herdeiros de nós mesmos e da história sagrada da Mãe-Terra, aquecida e vivificada pelos raios do misterioso, distante e, ainda assim, tão presente Pai-Sol!
Filhos estrelas que somos, nos percebemos em meio às oitavas que se desvelam no macrocosmo da Vida. Ante a Sua grandeza, nos percebemos poeira cósmica e, também, filhos da Existência em Si mesma, cidadãos do Universo! Fato expresso na belíssima afirmação de Carl Edward Sagan: “Somos feitos de poeira de estrelas. Nós somos uma maneira de o cosmos se autoconhecer”… E se relacionar…”
Fatos concretos acerca das datas mencionadas no texto:
OBS 1: O Dia da Terra, cuja finalidade é criar uma consciência comum aos problemas da contaminação, conservação da biodiversidade e outras preocupações ambientais para proteger a Terra, foi criado pelo senador norte-americano Gaylord Nelson, no dia 22 de Abril de 1970.
OBS 2: A data da “descoberta ou descobrimento do Brasil” refere-se à descoberta por europeus do território atualmente conhecido como Brasil. Este momento é muitas vezes entendido como sendo o do avistamento da terra que então denominaram por Ilha de Vera Cruz, nas imediações do Monte Pascoal, pela armada comandada por Pedro Álvares Cabral, ocorrida no dia 22 de abril de 1500. A nomenclatura deste evento histórico considera o ponto de vista dos povos do chamado “Velho Mundo”, que tinham registros na forma de História (escrita), e portanto se trata de uma concepção de História contada por europeus (eurocentrada). Marca-se, então, o início de uma colonização portuguesa em territórios que posteriormente formaram o Brasil, em toda a complexidade dos fatos, narrativas e interpretações que se desdobraram dali em diante.